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Na busca por entender o que move o ser humano, tanto a filosofia quanto a psicanálise oferecem conceitos que descrevem a força vital que impulsiona a vida e a realização do indivíduo. Esses conceitos, conatus e libido, embora distintos e pertencentes a áreas do saber aparentemente divergentes — a filosofia espinosana e a psicanálise freudiana — podem ser interligados. Ambos revelam dimensões fundamentais do ser, indicando que o desejo de viver e de experimentar prazer, bem como a busca pela preservação e expansão, constituem diferentes manifestações de um mesmo ímpeto existencial.
O Conatus: A Força de Autopreservação e Autorreprodução
Para o filósofo Baruch de Spinoza, o conatus é um impulso essencial e natural que move cada ser a perseverar em sua existência e a buscar condições que promovam seu bem-estar e autopreservação. Essa força é inerente a todos os seres, sendo uma “vontade” básica de existir e de realizar sua própria natureza. O conatus não se restringe à sobrevivência física, estendendo-se a qualquer aspecto que permita ao ser humano “florescer” — ou seja, atingir um estado de realização de sua essência.
Na concepção espinosana, o conatus é o motor por trás de cada ação e decisão que busca manter e expandir a experiência do ser. Mais do que um instinto de sobrevivência, o conatus representa um movimento em direção à plenitude, englobando a busca por bem-estar, pela autorrealização e pela harmonia com o mundo.
Libido: A Energia do Desejo e da Realização
Sigmund Freud, no campo da psicanálise, desenvolveu o conceito de libido para descrever a energia psíquica associada aos desejos instintivos, especialmente de natureza sexual. Em suas teorias, Freud propôs que a libido é um dos principais motores da motivação humana, direcionando o indivíduo na busca por prazer e pela satisfação dos desejos, seja através de experiências sexuais, seja por outras formas de realização.
Contudo, Freud ampliou o conceito de libido para além do aspecto sexual, englobando outras formas de desejo e pulsões de vida que conduzem o ser humano em busca de satisfação e realização. Essa força, em sua essência, constitui um “ímpeto de vida”, representando o desejo profundo de expandir-se, de se conectar com outros seres e de explorar o mundo. Em suma, a libido é uma expressão do desejo de autorrealização e de perpetuação que existe em cada ser humano.
A Libido como Expressão do Conatus
A ideia de que a libido pode ser entendida como uma manifestação específica do conatus oferece uma nova perspectiva sobre como os impulsos vitais se articulam na psique humana. A libido, como uma energia direcionada a desejos e impulsos, pode ser vista como uma canalização do conatus, a força vital que busca preservar e expandir a existência.
Direção e Intensidade
Enquanto o conatus é uma força abrangente que sustenta a vida, a libido representa uma expressão mais específica dessa força, direcionando a energia para o prazer, a realização e a expansão do ser. Assim, a libido canaliza o conatus para a satisfação de desejos e impulsos fundamentais, que mantêm o ser em um estado de vitalidade e potência.
Autorreprodução e Continuidade da Espécie
A libido, sobretudo em sua expressão sexual, se alinha ao conatus ao promover a continuidade e a preservação da espécie. A reprodução e a conexão com outros seres garantem a perpetuação da vida, em consonância com o princípio do conatus de preservar e expandir o ser. A busca por conexão e por experiências de prazer torna-se, portanto, uma manifestação do impulso mais amplo de autopreservação e autorrealização.
Potência e Realização Pessoal
Em Spinoza, o conceito de potência está atrelado à capacidade de expressar plenamente a própria essência, enquanto Freud entende a realização dos desejos como uma via de fortalecimento da vitalidade psíquica. Assim, podemos considerar a libido uma expressão da busca por potência: ao satisfazer seus desejos, o indivíduo experimenta uma ampliação de sua vitalidade e de sua potência como ser humano. A realização dos impulsos da libido, neste contexto, é um meio de expansão e desenvolvimento pessoal, fortalecendo a identidade e a própria experiência de ser.
Implicações: Libido e Conatus, um Diálogo Entre Filosofia e Psicanálise
Ao conceber a libido como uma expressão do conatus, entendemos que os desejos humanos não são apenas necessidades biológicas ou psicológicas, mas expressões de uma força existencial mais profunda. A busca pelo prazer e pela satisfação dos impulsos vitais emerge como uma via para alcançar a plenitude e a realização. Tanto Spinoza quanto Freud descrevem o ser humano como um ser movido por uma pulsão de vida — uma vontade de permanecer e de expandir-se. Nessa perspectiva, o prazer não é um fim isolado, mas uma condição para que a vida possa se expandir e alcançar o seu potencial.
Portanto, a relação entre libido e conatus revela que o impulso de desejo e a força vital da autopreservação compartilham uma mesma raiz: o desejo fundamental de viver e de expressar a própria essência. Freud e Spinoza, cada um à sua maneira, oferecem uma visão complexa da natureza humana como um constante pulsar entre preservação e expansão, em que o prazer e a realização pessoal são apenas formas de dar continuidade e expressão à própria existência.
A união entre conatus e libido nos convida a uma compreensão mais integrada dos impulsos humanos. Ao pensar a libido como uma manifestação específica do conatus, reconhecemos que o desejo não é apenas uma questão de impulso imediato, mas parte de uma busca essencial pela manutenção, expansão e realização da vida. Assim, tanto na filosofia quanto na psicanálise, o ser humano é descrito como um ser que não só existe, mas que se expressa e se transforma continuamente, em uma dança de preservação e expansão do ser.