Afinal, em um dia comum percebi… As luzes piscavam do outro lado do quarto e a escuridão só acentuava os brilhos pulsantes. A cada notificação que surgia, um som quebrava o silêncio, trazendo consigo a promessa de uma atualização, uma notícia, um alerta, uma opinião.
Olhei em volta. Ali estavam elas, as telas. Frias, indiferentes. Olhavam-me com aquele brilho maquinal, sem vida. É engraçado — se é que podemos achar graça nisso — que, ao mesmo tempo em que nos fornecem a possibilidade de comunicar tudo para todos, as telas não reagem a nada. São, em essência, uma antítese dos valores que tentamos extrair delas. A vida borbulha ali por trás, mas sem calor, sem emoção. No fundo, o universo das telas parece um tanto… aborrecido com a gente.
Lembrei-me de Meursault, de O Estrangeiro de Camus. Para ele, o universo era uma enorme extensão de indiferença, cujas ideias de certo e errado, justo ou injusto, são apenas adornos, e o valor… bem, talvez o valor seja apenas uma dessas invenções para nos distrair do fato de que estamos sozinhos. O sol que queimava Meursault, levando-o ao momento mais significativo — ou mais insignificante — de sua vida, brilhava impassível, sem notar sua presença. Não parece ser o mesmo caso das telas? Aqui estamos, olhando para elas com todo o nosso desejo de sentido, buscando algo profundo, algum eco que faça valer o tempo que dedicamos. Mas a verdade é que, se existe algum significado ali, ele está escondido num lugar que não nos querem mostrar.
E quem sabe, no fundo, seja um alívio. Veja, a indiferença das telas pode até ser uma forma moderna de liberdade. Porque se nada importa para elas, se o universo digital (e o universo como um todo) está tão alheio aos nossos dramas, podemos viver despreocupados, talvez até leves, sem o peso de responder a grandes questões. Estamos livres para vagar por feeds infinitos, deslizar por notícias e, sem dúvida, postar nosso jantar sem maiores preocupações. Se o mundo realmente não tem valores absolutos, então tudo o que fazemos ou deixamos de fazer não altera em nada essa vasta, silenciosa tela da existência.
Claro, isso soa um tanto cínico — ou quem sabe, libertador? A ironia é que essa falta de propósito pode ser ao mesmo tempo um fardo e um alívio. Nos atormenta, pois queremos desesperadamente que o mundo responda, que as telas nos devolvam algum reflexo de nosso valor, que nos digam, “Sim, você é importante”. Mas a indiferença delas, fria e polida, sugere que talvez a única resposta venha de nós mesmos. Nossas telas nos refletem com um nada radiante, e o absurdo disso é tão poético quanto cômico.
No final, ficamos ali, nós e as telas, num relacionamento estranho e ambivalente. Talvez isso seja um dom ou uma punição. Ou, se tudo o que acreditamos é mesmo relativo, talvez seja só mais uma cena do teatro indiferente da vida, onde o que vale é o que decidimos inventar por conta própria.